“Pela primeira vez em dois mil anos todo o Povo de Deus foi envolvido”, disse o monsenhor Piero Coda, membro da Comissão Teológica do XVI Sínodo dos Bispos (2021-2023). De fato, falar do processo sinodal na Igreja é deixar transparecer e assumir um processo que há alguns anos a Igreja vem experimentando de forma mais intensa: a sinodalidade, que tem sido pauta de muitos debates teológicos e pastorais.
É por isso que aqui, todos nós, representando a linha de frente da experiência sinodal em nossa Arquidiocese, recorremos a alguns argumentos históricos e teológicos, que fortalece a experiência eclesial que hoje nos é proposta, unidos a nosso pastor, Dom Moacir Silva.
Ainda que, etimologicamente, “sínodo” sugere que caminhemos juntos, o que buscamos é entender, sobretudo, “como” caminhar juntos neste terceiro milênio. Um dos frutos saborosos colhidos em tempo durante o Concílio Vaticano II foi a instituição do Sínodo dos Bispos. Não é por acaso que São Paulo VI, na abertura da última sessão conciliar, em 14 de setembro de 1965, faz três breves anúncios aos participantes: a gratidão a todos que trabalhavam incansavelmente em favor do concílio, a instituição de um sínodo episcopal e o discurso que faria na Organização das Nações Unidas (ONU). Aqui, de início, buscamos raízes processuais nas intenções de um papa que já estava acostumado, desde a sua juventude, com caminho e propostas eclesiais de diálogo e participação: um autêntico processo sinodal é aquele que fortalece a comunidade de fé, em fiel colaboração para o bem da Igreja, afim de que, seja promotora da paz e da justiça ao mundo, anunciando o Evangelho da Verdade.
Papa Francisco, o primeiro Pontífice que não participou das sessões conciliares, revela, em seus incontáveis gestos, a primavera que se abriu à Igreja como sopro renovador do Espírito Santo de Deus. Assim acontece com as estações: pode vir o outono ou inverno... mas a primavera voltará! Retomando a alegoria da “Sinfonia da Palavra” da exortação apostólica Verbum Domini (2010) do papa Bento XVI, Francisco diz que na dinâmica de um sínodo, as diferenças são expressadas e polidas até que alcance uma harmonia que não apague os picos de diferença: “é o que acontece na música: com sete notas musicais, seus tons altos e baixos, cria-se uma sinfonia maior capaz de articular as particularidades de cada uma. Nisso reside a sua beleza: a harmonia que resulta pode ser complexa, rica e inesperada. Na Igreja, quem gera essa harmonia é o Espírito Santo” (FRANCISCO. Vamos sonhar juntos. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020, p. 91).
A sinodalidade como “nota sinfônica” permanente e identitária já era lembrada pelo bispo São João Crisóstomo, afirmando que Igreja e Sínodo são sinônimos (cf. LAMELAS, Isidro. A experiência sinodal na Igreja pré-nicena, p, 37).
E aqui repito o desejo explícito do Papa em meio ao caos que vivemos durante esta pandemia: “a minha preocupação, como Papa, tem sido encorajar tais transbordamentos [da graça de Deus derramada sobre os corações] dentro da Igreja, dando novo vigor à antiga prática da sinodalidade. Quis desenvolver esse antigo processo não apenas por amor à Igreja, mas também como um serviço à humanidade que se encontra, tantas vezes, em um desacordo paralisante” (FRANCISCO. Vamos sonhar juntos, p. 90). É incrível como este testemunho de Francisco se assemelha ao de Paulo VI, ambos buscando, na sinodalidade, partir do coração de Deus e adentrar o coração do mundo, caminhando juntos, como Povo de Deus peregrino. Na carta aos Efésios, do início do século II, Santo Inácio de Antioquia, mártir que a Igreja hoje celebra, é um dos primeiros teólogos a se expressar sobre a sinodalidade: dizia que todos os membros da comunidade cristã eram “σύνοδοι, companheiros de viagem, em virtude da dignidade batismal e da amizade com Cristo” (Comissão Teológica Internacional, A Sinodalidade na vida e na missão da Igreja, n. 25). A Secretaria Geral do Sínodo recorda que “o objetivo deste Processo Sinodal não é proporcionar uma experiência temporária ou única de sinodalidade, mas proporcionar uma oportunidade para todo o Povo de Deus discernir em conjunto como progredir no caminho para ser uma Igreja mais sinodal a longo prazo” (Vade-mécum p.7). Aqui os nossos olhos e o nosso coração se voltam mais uma vez ao estilo pastoral impresso pelo Papa Montini (Paulo VI) no ritmo final do Vaticano II, onde os temas não aprofundados durante as sessões conciliares e nos 16 documentos expedidos, seriam tratados com maior atenção nas assembleias sinodais.
Por isso mesmo, a autoridade pedagógica do Papa e dos bispos está em diálogo com o chamado sensus fidelium, que é a voz viva do Povo de Deus. A Igreja também conta com a colaboração dos teólogos, sejam leigos, ministros ordenados e religiosos, como apoio útil e necessário para articular a voz do Povo de Deus que exprime a realidade da fé na experiência vivida (cf. Vademécum, p. 8). Neste processo, duas perguntas são levantadas:
1.Como é que este “Caminhar Juntos” tem lugar, – em meio a diferentes realidades eclesiais – permitindo que a Igreja anuncie o Evangelho?
2. Quais os passos que o Espírito Santo nos convida a dar para crescermos como Igreja Sinodal? Neste caminho que somos chamados a trilhar, chama a atenção uma proposta: o processo
sinodal é, antes, um processo espiritual: a escuta sinodal tem em vista o discernimento e, escutando uns aos outros, discernimos o que Deus está a dizer. Para caminhar juntos, o objetivo se encontra em
“escutar, como todo o Povo de Deus, o que o Espírito Santo está a dizer à Igreja. Fazemo-lo escutando juntos a Palavra de Deus na Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja e, depois, escutando-nos
uns aos outros e especialmente aos que estão à margem, discernindo os sinais dos tempos. De fato, todo o Processo Sinodal visa promover uma experiência vivida de discernimento, participação e
corresponsabilidade, onde se reúne uma diversidade de dons para a missão da Igreja no mundo” (cf. Vade-mécum, p. 8;13).
Seguindo as pistas propostas pela comissão, percebemos que “se escutar é o MÉTODO do Processo Sinodal e discernir é o OBJETIVO, então a participação é o CAMINHO. Fomentar a participação leva-nos a envolver outros que têm opiniões diferentes das nossas. Ouvir aqueles que têm os mesmos pontos de vista que nós não dá frutos. O diálogo implica encontrar-se com opiniões diferentes” (cf. Vade-mécum, p. 13-14). Amparados por diversas interpelações do Papa Francisco em seu pontificado, trago, resumidamente, algumas atitudes que se reservam a levar adiante o processo sinodal e que precisam
ser levadas a sério por cada um de nós, membros dos conselhos de nossa arquidiocese:
a) Somos chamados a abandonar atitudes de conforto e conformismo que nos leva a tomar decisões
apenas como se fazia no passado;
b) O diálogo sinodal depende da coragem tanto para falar como para escutar, isso tudo com profunda
humildade;
c) A sinodalidade requer tempo para a partilha e precisamos respeitá-lo, nas diversas etapas, dando
passos sem parar no caminho;
d) O processo sinodal nos dá a oportunidade de nos abrir à escuta de forma autêntica, sem recorrer a
fórmulas prontas e julgamentos preconceituosos;
e) Curar o vírus da autossuficiência, marca do nosso tempo e que desestimula a vivência comunitária;
f) Vencer o flagelo do clericalismo, com uma postura que leve os pastores a escutar atentamente o
rebanho confiado, ao mesmo tempo que os leigos exprimam os seus pontos de vista com liberdade e
honestidade;
g) O primeiro passo para escutar é libertar a nossa mente de estereótipos que nos levam por caminhos
errados e que nos conduz à ignorância e à divisão;
h) Em tempos difíceis, a Igreja precisa valer o versículo bíblico de ser “sal, luz e fermento”: somos
chamados a ser faróis da esperança e não profetas da desgraça. A alegria do Evangelho nos leva a
seguir adiante.
De forma estrutural e programática, o processo sinodal, já adiado uma vez pelo Papa Francisco por conta da pandemia, agora segue em três momentos expressivos: - numa primeira fase: de 17 de outubro) até o mês de agosto de 2022, nossa arquidiocese envolverá os conselhos paroquiais, movimentos e organismos pastorais para rezar, escutar, discernir e acolher
o que o Espírito diz às Igrejas; - numa segunda fase, a Secretaria Geral do Sínodo entregará um primeiro documento de trabalho (Instrumentum laboris) aos grupos que se reunirão em nível continental (África, Oceania, Ásia, Oriente Médio, América Latina, América do Norte e Europa), de setembro de 2022 a fevereiro de 2023; - e, por fim, com os sete documentos continentais, a Secretaria Geral preparará um segundo documento de trabalho, destinado ao encontro dos bispos que acontecerá em Roma, no mês de outubro de 2023.
Pe. Marcelo Luiz Machado
Comissão Especial para o Sínodo dos Bispos
Arquidiocese de Ribeirão Preto